sábado, 3 de agosto de 2013

Policiais são condenados a 624 anos de prisão pelo massacre do Carandiru

 

Depois de quase 21 anos, foram condenados na madrugada deste sábado 25 policiais acusados de participação na morte de 52 dos 111 presos do presídio do Carandiru, episódio ocorrido em 2 de outubro de 1992, em São Paulo.

Os réus receberam ao todo uma pena de 624 anos de prisão em regime fechado e a perda do cargo público. Eles ainda têm o direito de recorrer da decisão em liberdade.

O último dos cinco dias de julgamento foi marcado por 12 horas de argumentações dos advogados de defesa e promotoria, além da apresentação de vídeos e depoimentos.

Durante os interrogatórios, apenas 5 dos 23 réus presentes no julgamento prestaram depoimento. Os demais preferiram ficar em silêncio.
 
Demora

De acordo com grupos de direitos humanos, o atraso do julgamento do Carandiru demonstrou como os conflitos na condução do processo, que envolveram diversas instituições e instâncias da justiça, protelaram a decisão do caso em mais de duas décadas.

O Tribunal de Justiça de São Paulo atribui a demora para se dar um desfecho para o caso aos conflitos de competência entre os ramos militar e comum da Justiça – e também aos diversos recursos propostos à Corte por advogados de réus.

Organizações internacionais de direitos humanos ressaltam que os longos anos de espera por um resultado de condenação no Brasil favorecem a uma cultura de impunidade no país.

O julgamento

O segundo grupo de 25 policiais julgados foram sentenciados pela participação na morte de 52 dos 111 presos. Eles fazem parte de um total de quatro grupos de acusados. Mais dois ainda serão julgados até o final do ano.

A condenação foi de 624 anos de prisão em regime inicial fechado. Eles têm o direito de recorrer em liberdade. 

O julgamento teve início na segunda-feira, com os depoimentos de quatro testemunhas de acusação: o perito criminal Osvaldo Negrini e três por meio de depoimentos gravados em vídeo, sendo dois presos sobreviventes e um diretor da Detenção.
 
No dia seguinte, foram ouvidas seis testemunhas de defesa, sendo duas presenciais, duas por vídeo e duas protegidas.
 
A quarta-feira estava reservada para o interrogatório dos réus. Dos 23 réus presentes, 18 preferiram manter-se em silêncio. Defesa e acusação exibiram vídeos de 40 minutos cada um.
 
A sexta-feira foi toda ocupada pelos debates, que duraram mais de 12 horas.
À meia noite o Conselho de Sentença se reuniu na sala secreta.
 
Às 4h20 da madrugada de sábado o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo, do 2º Tribunal do Júri, leu a sentença.

Para Maria Laura Carineu, representante da HRW (Human Rights Watch) no Brasil, a demora do procedimento "por si só representa a violação de um direito fundamental constitucionalmente assegurado no Brasil: a 'razoável duração do processo e meios que garantam a celeridade de sua tramitação'".

O diretor da Anistia Internacional Brasil, Atila Roque, afirmou que a entidade vê como consequência "direta e perigosa" da lentidão judicial o fato de grande parte dos réus terem permanecido tantos anos trabalhando na polícia após o episódio.
Consequências

Ao longo de duas décadas de espera por um resultado convincente da justiça, as consequências do massacre do Carandiru tiveram tempo de se desenvolver e seguem presentes nos dias de hoje.

De acordo com especialista ouvidos pela BBC Brasil, o massacre de São Paulo foi um episódio decisivo para a fundação e estabelecimento da facção criminosa que atua dentro e fora do sistema prisional paulista, o PCC (Primeiro Comando da Capital).

"Antes do massacre, o Estado já extorquia, torturava e matava os presos. O Carandiru não foi a única causa da fundação (do PCC), mas colaborou muito para isso", afirmou o padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, da Igreja Católica.

O PCC foi criado por um grupo de presos em 31 de agosto de 1993 na Casa de Custódia de Taubaté - pouco menos de um ano depois do massacre do Carandiru.

Os principais objetivos da facção eram combater os maus tratos no sistema prisional e evitar novos massacres como o de 1992, segundo o jornalista Josmar Jozino, autor de três livros sobre o PCC, entre eles "Xeque-mate, o Tribunal do Crime e os Letais Boinas Pretas" (Ed. Letras do Brasil).

"O massacre do Carandiru foi a gota d'água para a criação do PCC. O episódio está registrado até no estatuto de fundação da facção", disse ele.

Segundo os especialistas Jozino e Silveira, o grupo criminoso se espalhou por todo o sistema prisional e impôs regras de conduta aos presos - como a proibição nas cadeias do uso do crack e de assassinatos motivados por dívidas de drogas. A ação teria diminuído os índices de mortalidade nas penitenciárias.
 
Mais desdobramentos

Com a possibilidade de recorrerem da decisão, os 25 policiais sentenciados ainda podem gerar novos desdobramentos na justiça até mesmo com outro julgamento.

Esse grupo é o segundo a ser julgado, num processo que foi dividido em quatro etapas.

A primeira ocorreu em abril, quando 23 policiais foram condenados a 156 anos de prisão por assassinar 13 detentos. Ela dizia respeito aos crimes ocorridos no primeiro andar do pavilhão nove, o local do massacre. Eles também receberam o benefício de recorrer da condenação em liberdade.

Outros dois grupos de acusados ainda serão julgados ao longo do ano. BBC Brasil

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