quarta-feira, 28 de maio de 2014

Priscila Santos, personagem fundamental da história de Luiz Gonzaga, morre em Exu

Nota de Pesar 

A Secretaria de Cultura e a Fundarpe lamentam o falecimento, nesta terça-feira (27), de Priscila Vicente dos Santos. Amiga, cuidadora e personagem fundamental na trajetória de Luiz Gonzaga. 

Ainda muito criança, após a morte de sua mãe, Priscila foi morar com Santana e Januário, no Araripe. Da adolescência até os últimos dias do rei do baião, Priscila esteve ao seu lado. Cresceram juntos, brincando no chão do Exu, vivenciando juntos o Sertão. Ela chegou a morar com Gonzaga no Rio de Janeiro, mas voltou para o Exu, onde só foi reencontrar-se com o Mestre Lua em 1982.

Em dezembro de 2012, ano do centenário de Gonzaga, a equipe do Cultura.PE esteve no Exu para conversar com Priscila e registrar suas lembranças. Algumas memórias de sua profunda relação com o pernambucano do século. Confira na reportagem "Quase, Priscila" de Chico Ludermir:


QUASE, PRISCILA


Aos 90 anos, Priscila Vicente dos Santos ainda está com a memória quase boa. E sabe disso. É ela mesma que afirma, logo no começo de uma conversa longa, em ritmo de maré mansa, que coleciona lembranças desde seus 4 anos de idade, apesar de já ter perdido muitas. Sentada na sua cadeira de canudos no centro da cozinha de uma casa de três cômodos, contou, com uma voz fraquinha, sem pressa, sobre um tempo longe e sobre muita vida vivida ao lado de Luiz Gonzaga.

Uma das mais velhas moradoras do Exu, Priscila traz impressas na pele enrugada as marcas de outro sol. Nascida no Araripe em 21 de novembro de 1921, Dona Priscila é apenas 9 anos mais nova que o Rei do Baião. Contemporâneos e conterrâneos, ela e Gonzaga guardam no matulão das experiências um quase de aproximação e outro de distância. Se, por um lado, dividiram uma infância na roça quente do Exu, plantando na mesma terra, Priscila ficou quando Gonzaga foi.
Logo depois que Gonzaga partiu, morreram os pais de Priscila, e, por acasos do destino, ela terminou de ser criada por Santana. Priscila vivenciou a falta dos seus pais enquanto os quase pais sentiam falta do filho.

Quando o Rei do Baião voltou pela primeira vez do Rio de Janeiro, Priscila já era moça. Mesmo 16 anos depois, os dois se reconheceram. Ela já tinha dançado ouvindo alguns forrós dele antes de ele ir. Mais do que isso: ele era presença constante nos assuntos de casa e da vizinhança. Dividiram intimamente a ausência. Por isso, se abraçaram.
Como os tempos eram de guerra entre os Sampaio e os Alencar −duas famílias importantes da cidade −, e já tinha sobrado até mesmo pra Pai Januário os ricocheteados da violência, Luiz Gonzaga usou a soberania de rei e decidiu que toda a família se mudaria para o Rio de Janeiro com ele. Lá estariam longe das mortes de brigas familiares, ao mesmo tempo em que não passariam aperto.

Acima de tudo, o sanfoneiro não ficaria mais longe de quem gostava. Quase incorporada à família Gonzaga, lá se foi Priscila pro Rio, onde acabou passando 38 anos. Na capital carioca, os Gonzaga se dividiam entre a cidade e o campo, numa casa no sítio, onde aconteciam as festas. Aniversário, casamento, bodas…tudo se comemorava lá aos moldes sertanejos. Priscila, ao lado das quase irmãs e primas, organizava tudo. O maior festejo foi o de bodas de ouro de Januário e Santana. “Foi uma festa estrondosa. A gente se estropiou de tanto trabalhar. Teve menina que, de tão cansada, se desmanchou no choro. A gente trabalhava como umas danadas nas festas”, lembra.

Foi no Rio de Janeiro também que Priscila conheceu os artistas que admirava. Além de Caetano e Gil, conversou diversas vezes com Carlos Galhardo, Orlando Silva, Elizeth Cardoso, Emilinha Borba, Dolores Duran. Todos frequentavam os aniversários do Mestre Lua. “Fazia muita amizade com eles. Eles eram muito amigos da gente”, conta. E lá também noivou duas vezes. Mas terminaram por aí, e o casamento também ficou no quase.
Mãe Santana e Pai Januário, mais velhos, não se adaptaram bem ao Rio e acabaram voltando. Priscila, que, no começo, resistiu a sair do Exu, não queria deixar a quase sua nova casa. Optou por ficar por lá. E foi ficando até o dia em que sua irmã mais velha, aos 80 anos, caiu doente e ela voltou pra cuidar e se despedir.

Mas o reencontro com Luiz e o restante da família que ficara no Rio não tardou. Poucos anos depois, o próprio Gonzaga voltou pro Exu para passar seus últimos anos de vida no Parque Aza Branca. E lá se foi Priscila novamente cozinhar para Luiz.
“Ele gostava de toda comida que a gente fazia. As prediletas eram baião de dois, munguzá, feijão de corda – que a gente fazia com pé e orelha de porco. Ele gostava muito. Vixe Maria!”, comenta num misto de interjeição e fraqueza da velhice. “A carne que ele gostava era carne de sol. Tinha que tirar todo o sal e cozinhar com todos os temperos”, relembra.

Mas, em 1989, sete anos depois de voltar a Pernambuco, Luiz Gonzaga sucumbiu. Em julho daquele ano, Priscila passou todo o tempo no Recife para acompanhar o quase irmão, que faleceu no dia 2 de agosto. Quando Luiz Gonzaga se foi, Priscila ficou sem uma parte importante da vida dela. Luiz voltou a ser ausência. Como era nos tempos de menina.
Em dezembro de 2012, perto de 25 anos depois da sua morte, o Exu festejou o centenário do cidadão mais cultuado. Priscila preferiu ficar em casa. Não gosta muito de festa, “nem tem mais idade”, justifica. “Mas rezar eu rezo.Todo dia eu rezo por ele. E me lembro das coisas que vivemos…”

Michelle de Assunção
Gestora de Comunicação

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